lundi 5 mai 2008

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Sabe o vinho vestir o ambiente mais espúrio
Com seu luxo prodigioso,
E engendra mais de um pórtico miraculoso
No ouro de um vapor purpúreo,
Como um sol que se põe no ocaso nebuloso.

O ópio dilata o que contornos não tem mais,
Aprofunda o ilimitado,
Alonga o tempo, escava a volúpia e o pecado,
E de prazeres sensuais
Enche a alma para além do que conter lhe é dado.

Mas nada disso vale o veneno que escorre
De teu verde olhar perverso,
Laguna onde minha alma se mira ao inverso...
E meu sonho logo acorre
Para saciar-se nesse abismo em fel imerso.

Nada disso se iguala ao prodígio sombrio
Da tua saliva forte,
Que a alma me impele ao esquecimento num transporte,
E, carreando o desvario,
Desfalecida a arrasta até os umbrais da morte!

O Veneno, Charles Baudelaire