vendredi 22 février 2008

Carta I

Prezada X.,

Existe algo em tuas mãos que sempre faz com que meu corpo trema ao menor toque, à ameaça de contato. Esse algo que habita a sua alma é sempre responsável pelo meu tormento, pela minha necessidade de te ter por perto ainda mais uma vez. Não sei ao certo classificar onde me encontro nesse jogo de indas e vindas, mas sei que existe alguma parte de você enterrada bem fundo dentro de minha alma.

Repetidas vezes eu me pego encarando meu reflexo no espelho, procurando onde jaz essa cova, esse corpo, esses ossos que sempre cismam em voltar a me assombrar. E é um gesto tão sincero e genuíno que, muitas vezes, me demoro muito tentando entender o que estou fazendo. Esse indagar, esse olhar para dentro é extremamente doloroso, pois, de uma forma ou de outra, tenho que remexer todas as partes que você queimou dentro de mim. Esse revisitar as cicatrizes é algo que sempre me machuca e me assombra, saiba você ou não.

Gostaria que soubesse o quanto você foi importante na minha vida. Não houve minuto algum em que recusei nada, tudo esteve sempre aberto para a sua entrada, tudo em mim esperava ser pilhado. Sim, deixei todos os meus bens à vista, tudo o que era e tudo o que queria. De mim poderia ter tido os livros, as músicas, todos as minhas possessões mundanas, inclusive meu corpo possuído, tomado pelo demônio que você conheceu muito bem. Sim, aquele corpo que arfava e deixava que os olhos mudassem de cor assim que teu hálito se aproximava. Sim, aquele corpo que vivia única e exclusivamente para ceder aos seus caprichos, eu, femme fatalle sendo subjugada por você, pequena Davi.

Aproveitei todos os momentos em que senti teus dedos se entrelaçando em meu pescoço, sua mente tramando o final. Ofereci de bom grado a garganta, esperei e antecipei a sensação do frio da lâmina contra minha pele, minha Salomé querida. Sim, agora é Salomé teu nome. É assim que te chamarei para o resto da vida, ou pelo tempo em que ainda me lembrar de você. E espero que seja muito.

C.